58º Passeio janeiro 2006



À descoberta das “ ÁGUAS DO MOSTEIRO”

O estio já passou e a chuva voltou no último domingo de Janeiro. Mas não veio só. Um nevão caiu na Região Oeste e os flocos de neve maravilharam e fizeram história. Não havia memória de algo assim... pelo menos nos últimos cinquenta anos.

As populações saíram à rua para festejar esta raridade da paisagem! Foram um final da manhã, uma tarde e uma noite pintadas de branco. Fantástico! Nesse domingo branco, como vem sendo habitual há alguns anos a esta parte, um grupo mais pequeno de caminheiros dos Pimpões, em parceria com a Casa da Cultura José Bento das Silva de S. Martinho do Porto, fez-se à estrada. Eram cerca de trinta. A primeira marcha de 2006, sempre junto ao Rio Alcoa até às suas nascentes, “Mãe de Água”, em Chiqueda, fora realizada.
Descobrir o património de Alcobaça e passear em redor do Mosteiro de Santa Maria, um dos monumentos portugueses classificados como Património Mundial, é sempre um grande privilégio e prazer! O 58º passeio pedestre, circular como os anteriores, concretizou-se, assim, em duas horas e trinta minutos, numa extensão de cerca de oito quilómetros. Alcobaça está situada nos vales dos rios Alcoa e Baça, que segundo alguns escritores lhe deram o nome. Segundo outras interpretações, foi a denominação desta localidade de origem árabe que se dividiu para baptizar os dois rios.
O seu passado remonta à época dos celtiberos, passando pelos romanos, que a fundaram com o nome de "Helcobatiae". No século XII, conta-se que D. Afonso Henriques, saindo de Coimbra para conquistar Santarém, ao passar pela Serra de Albardos, fez voto de doar à Ordem de Cister todas as terras que dali se avistavam. Os reis posteriores concederam inúmeros privilégios e fizeram muitas doações a esta Ordem Religiosa. É, contudo, no Mosteiro de Santa Maria, fundado em 1153 pelos Monges de Cister, que Alcobaça encontra as suas raízes mais profundas! Na actualidade, esta cidade reúne um curioso núcleo de ruas e travessas de sabor medieval, bem ornamentadas pelas Igrejas da Misericórdia e de Nossa Senhora da Conceição.
Foi a Ordem de Cister que sistematizou o povoamento, organizou vilas e granjas, dinamizou a agricultura e introduziu novas técnicas e produtos agrícolas. Os cistercienses foram os grandes impulsionadores da drenagem dos campos e da sua adaptação à agricultura. Eles contribuíram de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento de vastas áreas que ocuparam. Técnicas agrícolas inovadoras e intensivas foram igualmente implementadas.
O Sistema Hidráulico Cisterciense, um mundo intrigante e admirável, esteve sempre associada à concepção, implantação, desenvolvimento e exploração da Abadia, a partir do século XII. Este sistema, constituído por uma complexa rede de linhas, canais, registos e controlos, engloba conhecimentos de hidráulica, engenharia e arquitectura determinantes da vida de Alcobaça e que apenas perderam importância a partir dos finais do século XIX.
Existiam três tipos de linhas hidráulicas: os rios, a conduta de água potável e as levadas. Os rios surgiram por um processo natural. As levadas e a estreita conduta de água potável que correm paralelamente foram edificadas pelos Monges e destinavam-se a tornar a água mais acessível ao Mosteiro, com caudais que se tornavam bastante mais moderados e controláveis. Estas duas captações, com cerca de três quilómetros, numa extensão que compreende a distância que vai de Chiqueda até ao Mosteiro, de águas límpidas e cristalinas agradáveis à vista e ao espírito, sempre estiveram sob a protecção de S. Brás, também patrono deste lugar.
Associado às águas existiu sempre um misticismo muito especial! A levada ou “levadinha” fora edificada em engenhosa caleira de pedra calcária. Ao longo deste curso de água doce, foram-se instalando, através dos tempos, alguns fornos, mós, moinhos de papel, pisões e engenhos de linho. Serrações de madeira, lagares de azeite, martelos e foles de forjas, moinhos, azenhas, sistemas de controlo de caudais, noras, lagos, fontanários e chafarizes também coexistiram com a levada e desempenharam um papel importante na economia da Região.
É na Cerca do Mosteiro que os jogos hidráulicos atingem um expoente apreciável. Possivelmente, os peixes não circulariam por esta levada. Os Cistercienses, ao privilegiarem o peixe na sua dieta, disporiam, no exterior do mosteiro, de tanques para a criação de carpas. No Rio seria fácil, no entanto, capturar enguias, peixes diversos, lagostins e patos.
O Rio Baça, com águas mais barrentas e poluídas que o Alcoa, era o veículo por excelência para receber as evacuações e retornos de todo este complexo sistema hidráulico (ainda hoje num rio correm águas límpidas e noutro águas barrentas).
Há uma quadra popular sobre este rio, pouco abonatória, mas que não queremos deixar de citar, “Quem não viu o Rio Baça não sabe o que é merdaça...”. As cheias e inundações, assoreamentos, depósitos e entupimentos sempre trouxeram grandes perturbações à vida monástica. Há registos históricos de inundações do mosteiro, tendo algumas provocado imensos estragos. Entre estas destaca-se a grande inundação de 1772.



Texto – Manuel Correia Fotos – Ana Sousa Santos e Jorge Melo

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