Março 2004


“ Pelas charnecas dos Calapeiros ”

Os amantes do Pedestrianismo dos Pimpões, sob a orientação do Presidente da Casa da Cultura José Bento da Silva de S. Martinho do Porto, no último domingo de Março, por volta das nove horas e trinta minutos e ainda com os olhos bem pesados devido ao adiantamento da hora (mudança para a hora de Verão), realizou a sua caminhada pelas “Charnecas dos Calapeiros”, (antiga designação dada aos moradores da localidade cujo nome pode estar associado a costumes relacionados com actividades marítimas), planalto que agrega vários casais e lugares desde o Casal Pardo (também conhecido por Casal do Pardo), Casal Velho, Casal das Figueiras, Casal do Amaro, Sapeiros, Vale da Palha, Cadarroeira, Ramalhiça, Macalhona, Charnais e Lombeiro, numa distância que rondou os dez quilómetros, cumprindo-se assim o 38º passeio pedestre. O percurso circular como os anteriores, com partida e chegada ao Casal do Pardo, começou com uma visita à Associação Recreativa, Desportiva, Cultural e Social, fundada em 1974 e considerada de utilidade pública em 1998.
O Presidente da colectividade sr. António Agostinho, no exercício destas funções há cerca de doze anos, deu a conhecer ao grupo, formado por cerca de quarenta pessoas, os meandros da Associação, com óptimas instalações que compreende entre outras o bar, o salão de festas e o pavilhão gimnodesportivo, espaço este que em cada fim de semana proporciona o convívio entre os desportistas locais e os das localidades vizinhas, com diversas actividades das quais se destacam duas equipas de Futsal e uma de patinagem artística. Sobre a história do Casal Pardo, lugar tranquilo, calmo e discreto, da Freguesia de Alfeizerão, podemos associar um passado relacionado à produção florestal, agricultura ou actividades marítimas, já que Alfeizerão foi porto até ao Séc. XVI e segundo o padre Luís Cardoso “Viriato foi natural desta terra Alfeizerão, no tempo em que a cidade se chamava Eburobriga um bom porto, que era defendida por uma fortaleza edificada num ilhéu”. A torre desta fortaleza continuou a servir, durante bastantes anos, de farol à navegação marítima.
Sob a presença romana há vestígios um pouco por toda a região, mas queremos destacar a sua presença na aldeia de Charnais. Reportando-nos aos monges de Alcobaça é importante referir os seguintes acontecimentos que de certo modo estão relacionados com a evolução sócio- económica dos habitantes da localidade: em 1422, a Abadia concede carta de foral a Alfeizerão; em 1833, fruto da Revolução Liberal, dá-se a pilhagem do Mosteiro de Alcobaça pelo povo e em 1834, a extinção das Ordens Religiosas em Portugal. O passeio prosseguiu com a visita ao lavadouro público, bem conservado mas sem utilização actualmente, ultrapassado pelas modernas máquinas de lavar que assim poupam as delicadas mãos das lavadeiras. Aqui fomos informados sobre a história desta nascente de águas cristalinas, conhecida por “A fonte do Manco”, formada por duas minas com cerca de cem metros cada, ainda bem preservada e que está associada a um levantamento popular por volta de 1945 /47, logo após o termo da segunda Guerra Mundial. O povo protestou o facto das águas lhes terem sido retiradas para abastecerem a Pousada da Juventude, localizada bem perto da aldeia na estrada que liga Alfeizerão a Alcobaça, descontentamento este que exigiu a intervenção do Governador Civil do Distrito de Leiria que, para acalmar os ânimos, garantiu uma intervenção com obras públicas na fonte, a fim de satisfazer as necessidades do precioso líquido quer para a população, quer para a Pousada. Segundo testemunho do Presidente da Associação, já anteriormente, em 1931 a população se revoltara também contra o pagamento do Direito Braçal à Câmara Municipal de Alcobaça, que exigia um dia de trabalho gratuito e semanal aos trabalhadores destas terras, tendo eles com este protesto conseguido a sua abolição. O rio de Alfeizerão também conhecido por «Ribeira de Alfeizerão ou RIO DE CHANAIS como, em meados do século XVII, lhe chamou o então Vigário de Alfeizerão) cujas águas alimentavam três azenhas (actualmente inexistentes), encontra-se bastante poluído, sendo um grave problema para a Baía de S. Martinho cujas águas turvas e pouco cristalinas, foram outrora um oásis deslumbrante! A Barragem (ou açude) junto ao Rio de Alfeizerão, construída nos anos 50 (1950) e que outrora irrigava vastas e férteis terras, segundo o guia, sofreu uma grande ruptura dois a três anos após a sua inauguração, o que originou a que os taludes de terra batida cedessem, provocando então uma inundação nunca vista por aquelas terras que, devido ao impacto e força das águas, provocou a destruição de grande parte das culturas agrícolas da zona e à morte de pelo menos uma senhora.
Ainda se pode verificar no local alguns desníveis no Rio exigidos para a barragem e o local da bacia hidrográfica. Lamentamos, no entanto que, as entidades que estão a construir o emissor para a recolha, tratamento e disposição final de resíduos sólidos efluentes provenientes do saneamento básico, que passa junto à margem direita do Rio, deixassem (pelo menos este fim de semana) a obra em situação muito perigosa, visto que as caixas de ligação da vala, com grande profundidade, se encontram sem as respectivas tampas, (colocadas ao lado) o que poderá provocar gravíssimos problemas a qualquer criança, adulto ou animal que inadvertidamente caiam naquela conduta. Região agrícola por excelência, as suas características têm permitido ao longo dos tempos a alternância na produção de cereais, vinha, pomares e produtos hortícolas, de forma a proporcionar aos agricultores consideráveis rendimentos e uma certa qualidade de vida. Disfrutando-se da beleza da paisagem e caminhando por trilhos, carreiros, e estradas tradicionais, atravessaram-se desde campos abandonados constituídos por carrascos, salgueiros, carvalhos, castanheiros e pinheiros, a pomares floridos e bem cultivados de pessegueiros, pereiras e macieiras, numa diversidade colorida própria da Primavera e idêntica ao arco íris. Ao longo dos verdes campos e das linhas de água, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve ou voavam à nossa passagem tais como alvéolas, bicos de lacre, carriças, estorninhos, pintassilgos entre outros.
Da colina pode-se usufruir de soberbas vistas, quer para as terras que se desenvolvem a leste até à Serra dos Candeeiros, quer sobre o vale tifónico, com Alfeizerão, Salir do Porto, S. Martinho do Porto e o Atlântico no horizonte.



Texto – Manuel Correia Fotografias - Ana Sousa Santos e Daniel Rabiais

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